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TDAH e suas implicações na aprendizagem

Uma abordagem psicopedagógica sobre o TDAH e suas implicações na aprendizagem

 ROMERO, Auxiliadora M. Amorim.

Pedagoga pela Universidade São Judas Tadeu, São Paulo.

Especialização em Psicopedagogia, E.BSI.BA (Escuela de Psicopedagogica de Buenos Aires e PUC Goiás.

Rever a construção dos processos de aprendizagem é o objetivo deste, no qual considerei algumas teorias psicopedagógicas que abrangem os quatro olhares sobre o aprender: o organismo, o corpo que abriga uma inteligência, o desejo e o prazer em aprender.

As dificuldades escolares surgem a partir de algum transtorno, de uma perturbação psíquica oriunda de uma dinâmica familiar confusa, ou ainda de uma desarmonia entre organismo e corpo. Outros sintomas os quais denominamos “reativos”, podem aparecer em função da não formação de um vínculo afetivo “suficientemente bom” com o ensinante, uma não adaptação ao ambiente escolar ou aos procedimentos didático-metodológicos adotados pela Instituição.

Um transtorno de ordem orgânica de base neurobiológica como o TDAH, perpassa todas estas hipóteses acerca das dificuldades de aprendizagem. Um diagnóstico de TDAH combina sintomas de desatenção, memorização, hiperatividade e impulsividade, além do comprometimento das funções cognitivas como percepção, retenção e evocação de informações, planejamento e organização.

O sujeito aprendente, portador deste transtorno, traz consigo questões ligadas a sentimentos de menos valia (baixa auto-estima), sensação de fracasso, instabilidade no humor e mau rendimento escolar devido às dificuldades ligadas à leitura e escrita. Estas duas aprendizagens são a base para o desenvolvimento de outras habilidades como a compreensão e interpretação de textos, entendimento das propostas em atividades nas áreas das Ciências Exatas e Humanas.

 Assim é comum apresentarem discalculia (disfunção na capacidade de raciocinar e calcular) disgrafia (ilegibilidade na letra), desortografia (trocas e omissões de letras e fonemas). Quanto à leitura, possuem persistência nos erros de soletração (decodificação de símbolos gráficos); confusão entre letras, sílabas ou palavras com diferenças sutis na grafia e confusão entre letras que possuem um ponto de articulação comum e cujos sons são acusticamente próximos.

A aprendizagem não se inicia na Escola. Toda criança ao chegar na Escola, traz consigo muitas aprendizagens, construídas junto a seus pais. Uma criança sente-se segura para caminhar, dar seus primeiros passos, porque aprendeu que pode fazê-lo sozinha, mas que sua mãe estará por perto se precisar. Uma outra criança pode parecer assustada e apresentar maior dificuldade em dar seus primeiros passos, caso sua mãe também esteja insegura, passando a ela, que o mundo é perigoso, que ela pode se machucar…

É fácil perceber já nos primeiros anos da escola, quando uma criança teve uma educação sobre a autoridade dos pais, regras e limites. Geralmente são crianças que se adaptam melhor ao ambiente escolar, respeitam a autoridade dos professores e de outras pessoas que participam da Comunidade Escolar. Assimilam com maior facilidade regras de jogos e as regras de convivência da escola. Aprendem e desenvolvem habilidades sociais, aprendem a controlar impulsos e sentimentos.

Mas há aquela criança que desde cedo é vista como sendo “movida por um motor”, “não pára quieta”, não espera a sua vez nas brincadeiras, interrompe os outros quase o tempo todo, um” verdadeiro diabinho “, com uma “energia acima do normal” – assim dizem as professoras, suas ajudantes, seus colegas. Porque os colegas também percebem que “ela é diferente”. Mas nem toda criança com estes “sintomas” é portadora do TDAH.

É preciso ter cuidado para não fazer encaminhamentos desnecessários ou precocemente. Às vezes, há crianças que levam mais tempo para adaptar-se às regras da Escola ou ao convívio com outras crianças. Há muitas novidades neste novo ambiente e elas gostam de explorá-lo. Gostam de experimentar “até onde podem ir”, é natural que inicialmente queiram desafiar a autoridade pedagógica ”Você não é minha mãe…” elas dizem entre um choro e outro (ou uma “birra” e outra).

 É difícil para elas este primeiro momento da separação da casa, dos pais, do irmãozinho menor que “ficou sozinho com a minha mãe”.

Passado o período de adaptação, considerando o tempo de cada uma, a professora pode observar melhor. Se persistirem comportamentos considerados “normais” no inicio do ano, é bom ouvir os pais, ouvir a história da criança. Como já foi dito, são muitos os fatores que interferem na vida escolar: pode ser um momento pelo qual a família esteja passando (separação do casal, morte de algum parente próximo, perda de um animal de estimação, um irmãozinho novo que chegou). Algumas vezes, a criança pode não estar se adaptando à própria Escola. Precisa ainda de mais atenção, é muito nova e, portanto imatura emocionalmente.

Quando a criança é ainda muito pequena é difícil diagnosticá-la, pois tanto sintomas de hiperatividade como desatenção podem encontrar-se dentro de uma certa normalidade. Os pequenos são mesmo inquietos, correm para um lado e outro, querem subir no escorregador inúmeras vezes, tem uma certa dificuldade de aguardar sua vez para falar ou para jogar, esquecem com freqüência suas lancheiras, ou perdem um pé do tênis, ou mesmo seus agasalhos na sala. À medida que vão interiorizando algumas regras e construindo responsabilidades com seus objetos, como o bilhete que devem entregar à mãe, entram num período de latência, período considerado ótimo para a iniciação da leitura e da escrita.

Se apesar de estarem numa faixa etária adequada para a sistematização da aprendizagem, continuarem a apresentar  “sintomas” de desatenção e hiperatividade, é aconselhável que através da Equipe Escolar (psicopedagoga, orientadora educacional, professora e  coordenadora pedagógica), os pais sejam chamados à Escola para que possam ouvir destes profissionais suas observações e orientações. É importante também ouvir os pais. Uma não adaptação à metodologia de ensino, à não compreensão do conteúdo que está sendo trabalhado, a vinculação com a professora que pode não ser suficientemente boa… também são fatores que provocam esta reação do não aprender, do desinteresse, da “indisciplina”. Descartados estes itens, os profissionais que atendem à criança e sua família, podem acrescentar outros dados importantes de observação tais como: “observamos que, ás vezes, seu filho quando está de costas não atende à professora, e quando questionado diz que não ouviu ser chamado” (dificuldade auditiva); ou ainda: “Quando senta-se mais no fundo da sala, constantemente diz que não está enxergando o que está escrito no quadro. No final da manhã (ou tarde), costuma queixar-se de dor de cabeça. Aponta com o dedo onde dói, sempre na  fronte, acima dos olhos” (dificuldade visual).

 Quando estas dificuldades não são atendidas, a criança desenvolve dificuldades para aprender: não atende e não entende as propostas das atividades e a aprendizagem da leitura e da escrita ficam comprometidas. Como vemos se trata de encaminhar simplesmente um aluno para um diagnóstico diferenciado, sem antes conhecermos sua história familiar, escolar, suas potencialidades e possibilidades de aprendizagem.

Muitas vezes, apesar de terem passado por um diagnóstico diferenciado, observo que na verdade, estão desatendidas por seus pais. Deixam de ter um nome, uma identidade, e passam a ser apenas “portadores de TDAH”,

Estamos vivendo um mundo hiperativo, do “fast” e do “delivery”, das coisas descartáveis, de relações humanas pouco afetivas e efetivas, onde se tenta suprimir todo e qualquer sofrimento humano, sem buscar seus significados, onde não é permitido frustrar-se, onde a falta não é possibilitada. A dificuldade para concentrar-se, a inquietação motora e a impulsividade, são sintomas que devem ser lidos e compreendidos. Quanto mais repressor for o sistema (considerando os diferentes circulos de convivência da criança e do adolescente) mais hiperativas serão.

É necessário e imprescindivel que existindo um diagnóstico desta ordem, pais, educadores, psicopedagogos, psicólogos, fonoaudiólogos, possamos entender que as famílias de hoje, do nosso século, têm dificuldade de estar com seus filhos, tolerar suas inqietações, principalmente na primeira infância, ensiná-las a sobre  a importância da relações, do vínculo, do sentimento de pertinência aquele grupo familiar  e o exercício de doar-se (dar algo de si). Se como profissionais, pudermos resgatar junto às estas famílias estes sentimentos, onde com certeza as crianças serão mais atendidas e valorizadas em cada conquista, com certeza iremos também repensar em cada palavra dita a elas: “você é burro,agressivo, irresponsável, hiperativo”.

Se for indispensável o uso do medicamento, depois de um diagnóstico diferencial, que as mãos que ofereçam o remédio sejam continentes a essa criança ou adolescente, que não seja usado como punição, como uma “obrigação” a mais a ser cumprida pelos pais.

Profissionais que atuam no espaço Clínico ou Institucional precisam ser conhecedores do Transtorno do Déficit de Atenção e do “funcionamento” desta criança ou jovem adolescente, para que possam ajudá-los ainda mais, construindo junto a eles, recursos internos, para que superem seus limites e dificuldades, possibilitando-lhes um espaço de confiança. Neste espaço, poderão mostrar sua modalidade de aprendizagem única e singular e desenvolver suas potencialidades.

Auxiliadora Maria Amorim Romero – Pedagoga / Psicopedagoga

(Artigo publicado na Revista Informativa Anual do Colégio Externato São José,2014.)

Bibliografia:

  • FERNANDÉZ, Alicia: “A inteligência Aprisionada, 1991, Editora Artes Médicas.
  • FERNANDÈZ, Alicia: “A atenção aprisionada – Psicopedagogia da capacidade atencional, 2009, Editora Penso.
  • PAÌN, Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem, Artmed, 1994.

2 thoughts on “TDAH e suas implicações na aprendizagem

  • Sou a Marina Almeida, gostei muito do seu artigo tem
    muito conteúdo de valor parabéns nota 10 gostei muito.

  • Maria do Carmo Ribeiro Abreu

    Dora,

    Você , com esse artigo tão significativo e bem fundamentado, realiza um desejo recorrente da ABPp-Seção Goias. Trata-se de que todo psicopedagogo tenha autoria de pensamento, fundamentada em pesquisa e muita leitura.
    Que seu exemplo seja luz para trazer à claridade muitas escritas não publicadas.

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